Indígenas ocupam Funai em Altamira, no Pará, exigindo parada da Belo Sun
10/12/2025
(Foto: Reprodução) Indígenas ocupam Funai em Altamira, no Pará, exigindo parada da Belo Sun
Cerca de 200 manifestantes indígenas dos povos Xikrin, Xypaia, Arara e Juruna ocupam a sede da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em Altamira, no sudoeste do Pará, desde segunda-feira (8) para pressionar o governo federal em relação a direitos territoriais na Volta Grande do Xingu.
Segundo as lideranças indígenas ouvidas pelo g1, a ação ocorre em um contexto crítico para a região, onde megaprojetos como o projeto canadense de mineração de ouro da Belo Sun "ameaça os modos de vida tradicionais e a segurança ambiental dos povos originários".
O g1 solicitou posicionamento da empresa responsável pelo projeto, mas ainda não havia obtido resposta até a última atualização da reportagem.
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Representantes de 6 territórios indígenas participam da mobilização: Terra Indígena (TI) Ituna-Itatá, TI Cachoeira Seca, TI Paquiçamba, Território Juruna, Território Pacajaí e TI Trincheira-Bacajá.
Liderança Xikrin, Ngrenhararati Xikrin afirma que a TI Trincheira Bacajá foi ignorada no licenciamento da Belo Sun, apesar de serem potencialmente impactados. "Já enfrentamos diversas ameaças até de contaminação pela mineração. Esse projeto só vai destruir ainda mais nosso território", afirmou.
Entre os Arara, Sol Juruna explica que há uma situação de "colapso, invasões, insegurança alimentar grave e perda acelerada de recursos".
Indígenas de quatro etnias ocupam a Funai de Altamira, no Pará, em protesto.
Reprodução
Ela explicou ainda que no caso dos Juruna há territórios ainda não demarcados e que enfrentam risco de remoção reforçada, como é o caso da Aldeia São Francisco, localizada a 500 metros da barragem de rejeitos que está sendo projetada.
As lideranças indígenas pedem a instauração de mesa de negociação. Um ofício com dez reivindicações foi enviado na terça-feira (9) ao Ministério Público Federal (MPF), Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Funai, Agência Nacional de Águas (ANA), 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, Sesai e Secretaria de Educação Profissional Indígena (Sepi).
Todos os órgãos citados foram procurados pela reportagem - veja ao final da reportagem. Uma reunião foi realizada na manhã desta quarta-feira (10), com representantes da Funai em Brasília, mas sem acordo, terminou com a promessa de envio de uma proposta para o fim da manifestação.
Reivindicações na Volta Grande do Xingu
No ofício, os indígenas citam dez reivindicações que dizem respeito à proteção territorial dos povos tradicionais na região da Volta Grande do Xingu, incluindo:
Paralisação imediata do projeto Belo Sun: exigência de estudos de impacto específicos sobre as TIs Xikrin e todas as terras indígenas da Volta Grande
Segundo os indígenas, a primeira e mais urgente demanda é o fim do licenciamento da mineradora canadense Belo Sun Mineração Ltda.
Os povos indígenas exigem que sejam realizados Estudos de Componente Indígena (ECIs) detalhados e específicos sobre as Terras Indígenas Xikrin (TI Trincheira-Bacajá) e todas as demais terras de ocupação tradicional da Volta Grande do Xingu.
Indígenas ocupam Funai em Altamira, no Pará, exigindo parada da Belo Sun
Divulgação
O relatório "Minando Direitos", lançado pelo Ministério dos Povos Indígenas na COP 30, apresenta lacunas no licenciamento da Belo Sun, incluindo a exclusão da TI Trincheira-Bacajá dos estudos de impacto ambiental.
A empresa argumentou que o território fica além da distância de presunção de impacto estabelecida pela Portaria Interministerial nº 60/2015 (que fixa em 10 km o raio de presunção de impacto).
Já o relatório do MPI rebate a justificativa, afirmando que a TI Trincheira-Bacajá é diretamente afetada pela cadeia de impactos da mineração e pela redução da vazão do rio Xingu decorrente de Belo Monte.
O documento conclui que os Xikrin devem ser incluídos obrigatoriamente no licenciamento e na consulta prévia, livre e informada, conforme exigem a legislação brasileira e a Convenção 169 da OIT.
Criação do Corredor Ecológico Xingu-Ituna-Itatá
A segunda reivindicação pede a criação de um corredor ecológico conectando a Volta Grande do Xingu à Terra Indígena Ituna-Itatá. Para os indígenas, a estratégia de conservação é fundamental para garantir a conectividade entre habitats, permitindo a circulação de fauna e flora, essencial para a sustentação dos povos indígenas que dependem da caça, pesca e coleta de produtos florestais.
Os indígenas também apontam que a criação de corredores ecológicos representa uma forma de mitigação dos impactos cumulativos provocados pela usina hidrelétrica de Belo Monte e pela possibilidade de mineração.
Criação do Corredor Ecológico Trincheira-Bacajá
Complementando a reivindicação anterior, os povos indígenas exigem a criação de um segundo corredor ecológico na região de Trincheira-Bacajá, especificamente para proteger o território dos Xikrin e fortalecer a integridade ecológica dessa área considerada crítica.
O corredor, segundo as lideranças, pode impedir a fragmentação do habitat e permitir que as comunidades Xikrin mantenham práticas tradicionais de subsistência, que de acordo com os relatos já são impactadas pelos efeitos da redução da vazão do Xingu após Belo Monte.
Desintrusão da TI Cachoeira Seca
A quarta demanda refere-se à expulsão de invasores e ocupantes ilegais da TI Cachoeira Seca, território do povo Arara. O relatório "Minando Direitos" identificou a região como um caso de "colapso socioambiental", marcado por invasões permanentes, grilagem de terras e extração ilegal de madeira.
Além das invasões, a TI Cachoeira Seca enfrenta insegurança alimentar grave entre os povos Arara, resultado direto da degradação ambiental e das barreiras ao acesso ao território. As lideranças afirmam que a desintrusão é urgente para restaurar a integridade territorial e a alimentação dos indígenas Arara.
Mudança da coordenação da Frente de Proteção da Cachoeira Seca
Intimamente ligada à demanda anterior, a quinta reivindicação pede a substituição da liderança da Frente de Proteção da Cachoeira Seca. Os povos indígenas argumentam que a coordenação atual "não tem implementado de forma eficaz as ações necessárias para conter as invasões e proteger o território".
Elaboração de plano de segurança alimentar específico para os Arara da Cachoeira Seca
O relatório "Minando Direitos" documenta que os povos Arara enfrentam insegurança alimentar severa decorrente das invasões, da degradação ambiental e da redução dos recursos naturais disponíveis. A sexta reivindicação exige a criação urgente de um plano de segurança alimentar específico para essas comunidades.
O plano deve abordar tanto o curto prazo (assistência alimentar e resgates nutricionais) quanto o longo prazo (restauração dos ecossistemas e práticas tradicionais de subsistência), envolvendo coordenação entre órgãos como Sesai, Funai, MPI e organizações indígenas.
Ampliação da Terra Indígena Paquiçamba para área de Igapó
A sétima demanda quer a ampliação dos limites da TI Paquiçamba para incluir áreas de igapó, um tipo de floresta inundada, que são consideradas essenciais para a subsistência dos povos Juruna.
Os igapós são ecossistemas únicos da Amazônia, ricos em recursos para pesca e coleta, e inclusão na TI, os indígenas dizem que é fundamental para garantir acesso aos recursos tradicionais.
Reconhecimento formal dos Territórios Juruna da Muratá e Pacajaí
A oitava reivindicação busca o reconhecimento oficial de dois territórios Juruna ainda não demarcados: a região de Muratá e o Território Pacajaí.
As duas áreas têm histórico de ocupação tradicional, vêm sendo ameaçadas pela especulação imobiliária, pelos interesses minerários da Belo Sun e por outros empreendimentos na região, segundo os manifestantes.
Para os indígenas, o reconhecimento formal desses dois territórios garante proteção legal contra invasões e fortalece a posição dos Juruna em processos de licenciamento ambiental, permitindo que essas comunidades façam valer direitos à consulta prévia e ao consentimento livre e informado.
Mudança da coordenação da Funai em Altamira
A nona demanda pede a substituição da liderança da coordenação regional da Funai em Altamira. Os povos indígenas argumentam que "a administração atual não tem sido suficientemente responsiva às demandas de proteção territorial e defesa dos direitos indígenas na região".
Os indígenas dizem que estão insatisfeitos com a atuação institucional e a demanda por uma gestão mais alinhada aos interesses e necessidades das comunidades indígenas locais.
Política territorial coordenada para a Volta Grande do Xingu
Embora citada implicitamente nas reivindicações anteriores, a décima demanda é a criação de uma política territorial coordenada e integrada para a Volta Grande do Xingu.
Os indígenas propõem a inclusão dos seguintess pontos: demarcação e regularização de todas as terras indígenas ainda não reconhecidas; garantia de direitos indígenas frente a grandes empreendimentos; o apoio a estratégias de etnodesenvolvimento territorial baseadas nos saberes e práticas dos povos originários; e mecanismos permanentes de acompanhamento e proteção.
Entenda o que acontece em Volta Grande do Xingu
A ocupação da Funai ocorre em um cenário de pressão territorial crescente sobre os povos indígenas da Volta Grande do Xingu. O relatório "Minando Direitos", do MPI, documenta como a redução de vazão causada por Belo Monte já provocou danos significativos, como alteração do ciclo reprodutivo de peixes, morte de árvores nas margens do rio, dificuldades de navegação e impactos severos nas práticas tradicionais de pesca e caça.
A possível instalação do Projeto Volta Grande da Belo Sun representaria uma camada adicional de ameaças, segundo os indígenas. O estudo apontou que a barragem de rejeitos proposta tem capacidade de 35,43 milhões de metros cúbicos e apresenta "risco inaceitavelmente alto" de rompimento, conforme afirma o relatório do MPI.
O relatório também afirma que o licenciamento da Belo Sun apresenta falhas metodológicas graves, de acordo com análises técnicas do Ministério Público Federal:
Exclusão indevida de territórios indígenas: A TI Trincheira-Bacajá dos Xikrin foi excluída do Estudo de Impacto Ambiental por estar ligeiramente além de 10 km da mina. Contudo, há conexão hidrográfica comprovada e impactos cumulativos relacionados à redução da vazão.
Ausência de Estudos de Componente Indígena para comunidades impactadas: Pelo menos 10 a 20 aldeias indígenas (incluindo as comunidades Xipaia e Curuaia do Jerico, Juruna da Aldeia São Francisco e outras nucleações ribeirinhas) teriam sido excluídas do processo de consulta.
Riscos inadequadamente avaliados: O EIA foi produzido antes da instalação de Belo Monte, utilizando premissas sobre um ecossistema que já não existe. Além disso, negligencia riscos de vazamento da barragem e impactos cumulativos com a hidrelétrica.
Além dos impactos ambientais, o relatório "Minando Direitos", produzido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) em parceria com o MPI, documenta episódios de pressão territorial que podem ser provocadas pela Belo Sun:
Seguranças armados impedindo circulação: Relatórios indicam que seguranças contratados pela Belo Sun estariam impedido a circulação de ribeirinhos, pescadores e moradores em áreas públicas próximas ao empreendimento (Ressaca, Galo, Ouro Verde).
Apropriação irregular de terras públicas: Indícios de ocupação ilegal de áreas de domínio público.
Intensificação de conflitos fundiários: A fragilidade das ações estatais de proteção territorial abre caminho para grilagem, invasões e especulação imobiliária.
O que diz a Belo Sun
A empresa responsável pelo projeto da Belo Sun foi procurada e ainda não se manifestou.
O que dizem os órgãos
O MPF disse que, desde 2013, vem apontando à Justiça diversas ilegalidades do projeto Belo Sun:
"Falta de Estudos Indígenas e Consulta Prévia: o problema mais evidente é a ausência de um Estudo de Componente Indígena (ECI) válido para avaliar os impactos do projeto sobre os povos indígenas e comunidades tradicionais, incluindo os povos Arara e Juruna da Volta Grande do Xingu e Ituna/Itatá. O MPF argumenta que a mineração causará impactos "indubitáveis" nas terras indígenas, em sua cultura e meios de vida. O MPF exigiu a Consulta Prévia, Livre e Informada aos indígenas e comunidades tradicionais, conforme previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), antes que o licenciamento prossiga. A pedido do MPF, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região manteve essa exigência (detalhes)."
"Impactos cumulativos (sinergia): os impactos socioambientais do projeto Belo Sun estão associados e potencializados pelos impactos da construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte (UHE Belo Monte), que ainda não foram totalmente dimensionados ou mitigados. A localização da mina na Volta Grande do Xingu, uma área que sofrerá a redução drástica de 80% a 90% do volume de água devido a Belo Monte, impõe uma fragilidade extrema ao ecossistema."
"Contaminação e risco: o projeto prevê a extração de ouro a céu aberto, a formação de uma barragem de rejeitos com capacidade de 35 milhões de metros cúbicos e o uso de lixiviado de cianeto. Os rejeitos têm potencial para contaminar as águas, o que pode causar a morte e possível extinção de espécies de peixes, afetando os modos de vida das populações que dependem do rio. Há um temor em relação ao risco de colapso da barragem, dado que o volume de rejeitos previsto (35,43 milhões de metros cúbicos) é comparável ao que vazou na tragédia de Mariana (34 milhões de metros cúbicos)."
"Competência federal: o MPF defende a federalização do licenciamento para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), e não pelo órgão estadual (Semas/PA), devido aos impactos em terras indígenas e aos impactos ambientais no rio Xingu que afetam bens da União, além da sobreposição de impactos com Belo Monte (detalhes)."
Segundo o MPF, "o projeto Belo Sun ignora a proteção constitucional dos povos indígenas e as normas de precaução ambiental, especialmente em uma região já vulnerável após a construção da UHE Belo Monte".
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